Plágio: O Eco Silencioso da Rua de Marcela

 

A tela do celular de Marcela acendeu pela última vez, um breve e pálido clarão antes de se entregar à escuridão. "Bateria fraca", dizia a notificação, como se a vida do aparelho estivesse em sintonia com a dela. Vinte e três chamadas perdidas. Todas para Tony. Todas sem resposta. E o WhatsApp? Uma desolação digital. Nem um "visualizado" sequer. A cada toque, a cada mensagem não lida, a esperança minguava, drenada gota a gota por uma certeza cruel: Tony não ia responder.

Não ia, porque Marcela sabia que ele estava com Evelin. Aquele pensamento era um fio farpado que se enrolava na sua garganta, sufocando qualquer resquício de ar. E ela, sozinha, no silêncio ensurdecedor do seu apartamento, se via afogando em imagens. Imaginar. É um verbo traiçoeiro. Ele a levava para onde ela não queria ir, para dentro daquele riso de Tony que ela conhecia tão bem, agora voltado para Evelin. As palavras que Evelin diria... oh, as palavras! A faca mais afiada no peito de Marcela era saber que seriam as suas. As que ela pensou. As que ela sentiu. As que ela, em um lapso de loucura ou ingenuidade, quase disse a Tony.

"São frases vazias", sussurrou Marcela para o teto escuro, sentindo a ironia morder. "Não passam de ecos no ar." Eram ecos da sua própria alma, distorcidos, sem vida, plagiados. Aquela mulher, Evelin, um fantasma insípido, vestindo as ideias de Marcela, seus sentimentos, como um figurino roubado. Marcela via o cenário em sua mente, Evelin pendurada nos braços de Tony, murmurando as frases que Marcela tinha ensaiado em incontáveis noites sem sono, projetando um amor que não era dela, um amor que era… de Marcela.

A cada novo dia, a mesma promessa para si mesma: eu preciso te esquecer, Tony. Mas como? Como esquecer a gravidade que a puxava para a janela às sete da manhã, quando o carro de Tony deixava a garagem? Como ignorar o nó no estômago quando, às seis da tarde, ela via o carro dele estacionar de novo, e a porta se abria para Evelin sair? Todo dia, na mesma rua, com ela do seu lado, sorrindo na sua. A frase virou um mantra amargo, um veneno que Marcela tomava a cada alvorecer e anoitecer.

Era uma tortura silenciosa, imposta pela geografia. Tony morava na rua de Marcela. A mesma rua. E ela passava todo dia a te ver. Não havia rota de fuga, não havia atalho para o esquecimento. A vida de Marcela se tornou uma sucessão de momentos evitáveis, que ela não conseguia evitar. O açougue da esquina, a padaria do outro lado, o parque onde ela corria… tudo a levava a Tony. E cada encontro casual, cada vislumbre dele – seja no carro, na calçada, na sua varanda – era uma estaca no coração, uma confirmação brutal da sua irrelevância na vida dele.

Naquela noite em particular, a solidão era um peso físico, esmagador. O celular morto, o apartamento escuro, a imagem de Tony e Evelin dançando na sua mente. A espera. Marcela se lembrava de como era a espera antes, uma ansiedade vibrante, cheia de expectativas. Era a espera pelo sinal de Tony, por um aceno, um sorriso. Agora, era uma espera vazia, por algo que ela já sabia que não viria. Mas parece que você já escolheu. E nessa noite eu não sou o final. A frase pairava no ar, tão fria e cortante quanto a brisa que entrava pela fresta da janela.

"Eu não sou mais a mesma", declarou Marcela em voz alta, a voz rouca, quase inaudível. Mas o eco na sala vazia a respondeu. Ela precisava ser outra. Cansei de esperar. Cansei de me anular, de me diminuir, de me curvar a uma esperança que era apenas um fio frágil. Agora é meu momento. Preciso me libertar. A frase tinha um tom de promessa, um juramento para si mesma.

As lágrimas não paravam, mas a cada uma, uma nova resolução surgia. Era uma dor que Marcela precisava atravessar, não evitar. Eu sei que nunca vou te ter, Tony, mas já cansei de te perder. Perder o que nunca foi dela. Que ironia. Era a sensação de perder a possibilidade, o futuro que ela havia desenhado, o "nós" que só existia na cabeça de Marcela. E era exaustivo.

O relógio marcava uma hora que Marcela nem se importava mais. Levantar. Andar. Mudar. O primeiro passo seria o mais difícil. Como se desvencilhar de um amor que se infiltrara em cada célula do seu ser? Como desconstruir um universo que havia sido construído em torno de uma única pessoa?

Marcela respirou fundo, sentindo o ar frio da noite nos seus pulmões. O cheiro de jasmim, que vinha da árvore da casa de Tony, era quase insuportável. Era um lembrete constante da proximidade dele. E então, uma ideia, um lampejo. Se ela não podia mudar a rua, ela podia mudar o seu olhar para ela.

Na manhã seguinte, a rotina foi a mesma, mas algo dentro de Marcela era diferente. Ela levantou cedo. Tomou um banho frio que a despertou, mais do que a cafeína jamais conseguiria. Pela primeira vez em meses, não correu para a janela para espiar o carro de Tony. Ela saiu. Para o trabalho, para a vida.

E então, aconteceu. Na esquina, como de costume, o carro de Tony passava. Ele estava lá. E Evelin. O sorriso de Evelin, tão vívido, tão perto. Um espasmo no peito de Marcela, sim. Mas algo mais forte. Um cansaço. Um profundo, exaustivo cansaço de sentir. E esse cansaço, por incrível que pareça, trouxe uma leveza.

Marcela continuou andando. Os versos que a assombravam, os mantras da solidão, começaram a soar diferentes.

Eu preciso te esquecer, mesmo sabendo que vou te ver, todo dia, na mesma rua, com ela do seu lado, sorrindo na sua.

Sim, Marcela veria Tony. Mas a dor que acompanhava essa visão estava diminuindo. Era como uma queimadura antiga, que ainda ardia, mas não com a mesma intensidade. Era uma ferida em processo de cicatrização.

Eu sei que nunca vou te ter, mas já cansei de te perder.

Essa frase ganhou um novo significado para Marcela. Ela não estava mais perdendo Tony. Ela estava se encontrando. Cada passo que ela dava, cada dia que ela vivia sem a tortura da espera, sem a agonia da comparação, era um passo em direção a si mesma.

Vou encontrar meu caminho, sair dessa dor e seguir sozinha.

A palavra "sozinha" não era mais sinônimo de "solitária" para Marcela. Era "inteira". Era "livre". A solidão que antes a sufocava, agora parecia um espaço de construção, um terreno fértil para plantar o que ela quisesse.

Marcela caminhou, seus passos mais firmes a cada quadra. A rua ainda era a mesma, sim. Mas a pessoa que a percorria não era. Ela não era mais a garota à espera de um sinal, a sombra que observava da janela. Ela era alguém que estava se libertando, passo a passo, rua a rua. E embora o caminho fosse longo, e talvez ainda houvesse momentos de recaída, ela sabia que estava no caminho certo. O eco não era mais o dela. Era o seu. E finalmente, estava em paz.

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